O Jade na Mesoamérica

Artigo

Mark Cartwright
por , traduzido por Ricardo Albuquerque
publicado em 22 agosto 2022
Disponível noutras línguas: Inglês, francês, espanhol
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O jade era um material bastante valorizado em muitas culturas mesoamericanas, além de artigo valioso no comércio regional e a primeira escolha para objetos religiosos e artísticos tais como máscaras, lâminas de machados cerimoniais, figuras e joias. Por causa da cor verde, era associado com a vida, água, vegetação (especialmente brotos de milho) e regeneração; algumas culturas o consideravam portador de poderes curativos.

Propriedades e Associações

O termo "jade" na verdade abrange dois materiais: jadeíta e nefrita, mas somente a primeira é encontrada na Mesoamérica. Esta rocha de mineral agregado pode ser localizada quase sempre em depósitos de serpentina, um tipo de diorito. No México Central, o nome dado ao jade era chalchihuitl.

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Zapotec Jade Bat Assemblage
Montagem Zapoteca de Morcego de Jade
Adrian Hernandez (CC BY-SA)

Pelo lado positivo, era fácil encontrá-lo na forma de pedregulhos desgastados pela água ao longo de certos rios; pelo negativo, trata-se de um material bastante duro, que trazia dificuldades para os artesãos antigos. Os escultores usavam ferramentas feitas do mesmo material com serras de cordas ou brocas tubulares, além de jade em pó (ou quartzo) como abrasivo. A relativa raridade, dureza, impressionante cor verde e o brilho polido da pedra faziam com que fosse altamente valorizada por toda a história da Mesoamérica, em culturas como as dos Olmecas, de Teotihuacan, Zapotecas, Maias e Astecas. Até os dias atuais a região continua a ser uma importante fornecedora de jade.

Devido à associação com vida e renovação, pequenas peças de jade costumavam ser colocadas na boca dos falecidos.

O jade também era valorizado por causa de sua associação com outros importantes elementos da cultura mesoamericana. A cor da jadeíta, que varia do azul-esverdeado até o verde escuro, levava os mesoamericanos a relacioná-la com o céu, vegetação (particularmente com brotos de milho) e água. A pedra representava ideias intangíveis, também, especialmente os conceitos de vida, abundância e regeneração. Por causa destas associações, o jade era usado em trabalhos artísticos que representavam tais ideias, seja em objetos fabricados inteiramente com a pedra ou incrustado em um material menos valioso. Utilizá-lo para representar o coração numa figura esculpida não era incomum ou, então, para indicar que se tratava da representação de uma divindade. Devido a esta associação com vida e renovação, pequenas peças de jade eram às vezes colocadas na boca dos falecidos antes do sepultamento. Finalmente, parece que as os artefatos eram passadas de uma geração para outra e tratados como relíquias familiares altamente valorizadas.

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Olmec Jade Celt
Machado Cerimonial Olmeca de Jade
Metropolitan Museum of Art (Copyright)

Jade Olmeca

A civilização olmeca floresceu na Mesoamérica de c. 1200 a.C a c. 400 a.C.. Eles se concentravam na região do Golfo do México, nos atuais estados de Veracruz e Tabasco, e estabeleceram redes comerciais que se estendiam até o extremo sul, na atual Nicarágua. Os olmecas provavelmente obtinham suas pedras de jade de coloração opaca de vários locais, possivelmente tão distantes quanto o nordeste da Costa Rica, mas preferiam as de tons azuis-esverdeadas, somente encontradas na atual Guatemala. Escavações na Sierra de las Minas, acima do Rio Motágua, mostram várias oficinas de jade do período olmeca, próximas às fontes deste valorizado tipo de jadeíta.

Os artesãos olmecas usavam o material para criar pequenas estátuas de seus deuses, máscaras mortuárias e objetos utilizados pelos sacerdotes em rituais. Figuras pequenas e achatadas podem ter sido usadas como amuletos; a presença de um orifício perfurado sugere que uma corda era passada por eles. Algumas vezes utilizava-se cinabre vermelho para cobrir uma peça de jade ou destacar as incisões feitas na pedra.

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Olmec Jade Figurine
Figura Olmeca de Jade
Tim Evanson (CC BY-SA)

Outro tipo comum de artefato de jade da região da Costa do Golfo traz figuras humanas, com a aparência de anões, sentados com as pernas cruzadas ou em pé, com as pernas separadas. Uma tumba em La Venta revela um curioso arranjo de 17 figuras humanas de jade e serpentina, reunidas numa base de areia, no que se assemelha a uma espécie de assembleia. Celts (machadinhas cerimoniais) em miniatura estavam colocadas num dos lados do grupo, mas o significado desta reunião é desconhecido.

Talvez a mais importante escultura de jade olmeca, e certamente a maior do seu tipo, com 28 centímetros de altura, é o Machado Kunz (que recebeu o nome de seu antigo proprietário), um artefato cerimonial que pode ser visto atualmente no Museu Americano de História Natural, em Nova Iorque. Objetos em jade representavam também a criatura "jaguaromem", com a utilização de ferramentas feitas com a mesma pedra e polidas talvez com o uso de jade como abrasivo. A representação de animais era um tema popular na arte olmeca, especialmente os mais poderosos, tais como jaguares e águias, e tais figuras híbridas representariam xamãs que buscavam, durante seus transes, receber os poderes de certos animais. Machadinhas cerimoniais de jade, altamente estilizadas, eram depositadas em túmulos em grandes quantidades, provavelmente representando brotos de milho e, por associação, a renovação e regeneração. O Machado Kunz é um tipo bem mais elaborado de celt [tipo de machado pré-histórico] e talvez não tenha sido enterrado, já que partes de jade foram removidas periodicamente do lado de baixo, testemunho da preciosidade deste material.

Kunz Axe
Machado Kunz
Daderot (Public Domain)

Jade Maia

Os maias do México e América Central obtinham jade da Guatemala em variados tons, do pálido até o verde-escuro. Os artesãos esculpiam a pedra utilizando ferramentas de pedra e osso. A elite da sociedade maia usava joias de jade, tais como brincos, enfeites labiais, colares, braceletes, tornozeleiras, pingentes e cintos.

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Objetos de jade eram frequentemente oferecidos em sacrifícios para os deuses maias.

Como nas culturas mesoamericanas anteriores, os maias conferiam ao jade um significado religioso, associando-o à vida e regeneração. A relação do deus maia do milho com a pedra é mostrada nas representações artísticas, nas quais ele segura um feixe de grãos que, na escultura, eram feitos de jade. Vários monstros da mitologia mais possuem partes corporais em jade, tais como o pássaro gigante Wuqub Kaquix, que ostenta formidáveis dentes verdes, mas acabou sendo morto pelos Heróis Gêmeos Hunahpu e Xbalanque.

Os maias produziam placas finas deste material, que eram entalhadas para replicar o estilo das esculturas em pedra de seus edifícios. Um belo exemplo de Nebaj, na Guatemala, criado por volta do ano 600 e agora no Museu Nacional da Guatemala, mostra uma figura sentada, talvez um deus do milho ou senhor maia, observando uma figura muito menor (um bobo da corte?) reminiscente das figuras olmecas feitas com o mesmo material. Tais placas eram cortadas a partir de pedaços maiores, extraídos de grandes rochas de jade, com a utilização de serras de madeira ou cana, embebidas com material abrasivo moído, tais como basalto, arenito ou o próprio jade.

Maya Jade Plaque
Placa Maia de Jade
Joanbanjo (CC BY-NC-SA)

Escavações em Cancuén revelaram uma oficina dedicada à manufatura de objetos de jade, confirmando que na Guatemala setentrional existia um importante centro de extração. Uma pedra de 90 quilos de puro jade foi escavada das fundações de um templo em Kaminaljuyu, demonstrando como o jade guatemalteco era cortado para o trabalho em peças menores. A pedra tem um profundo corte em formato de V, de onde placas de jade foram removidas.

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Sabe-se por depósitos em cenotes (poços sagrados ou sumidouros) situados em cidades maias, como Chichén Itzá, que objetos de jade eram frequentemente oferecidos como sacrifícios materiais aos deuses e, conforme demonstrado em sítios como Seibal e Cival, na Guatemala, também depositados nas fundações dos edifícios mais importantes. A cidade maia de Tikal reúne alguns objetos singulares da arte mesoamericana, como cerâmica ou jarros de madeira cobertos de jade, algumas vezes, talvez, mostrando retratos dos falecidos como figuras na tampa. Acredita-se que um celt de jade em particular (espécie de estela portátil), provém da tumba de Pássaro Zero Lua, governante de Tikal. Chamada de Placa Leiden, é preenchida com o retrato esculpido deste governante pisoteando um prisioneiro e com a data de sua acessão ao trono, equivalente a 17 de Setembro de 320, o que a torna um dos mais antigos artefatos maias já descobertos.

Como acontecia com os olmecas, também se produziam máscaras de jade entre os maias, e nenhuma é mais impressionante do que a elaborada em mosaico para o governante maia K'inich Janaab' Pakal (Pacal, o Grande, v. 603-683). A máscara foi colocada sobre a face do morto, junto com várias joias com contas de jade em torno de seu pescoço e punhos. O sarcófago possuía inclusive dois guardiões esculpidos em jade. Os restos mortais de Pakal estavam sepultados nas profundezas da pirâmide do Templo das Inscrições, em Palenque, no México. Tanto a máscara quanto os demais artefatos da tumba podem ser vistos atualmente no Museu Nacional de Antropologia, na Cidade do México.

Jade Death Mask of Kinich Janaab Pakal
Máscara Mortuária de Jade de K'inich Janaab' Pakal
Gary Todd (Public Domain)

Finalmente, em Copán (Honduras), o ocupante de um túmulo - identificado por alguns historiadores como os restos mortais do governante e fundador da cidade, no século V, K'inich Yax K'uk Mo' - tinha os dentes incisivos incrustados com jade. Parece que não faltava imaginação aos maias no que se refere aos usos simbólicos e decorativos do jade.

Jade Asteca

O jade continuou a ser apreciado pela última grande civilização mesoamericana, os astecas (também chamados Mexica). No México dos séculos XIV a XVI, eles o associavam com uma deusa em particular, cujo nome se origina da própria pedra. Chalchiuhtlicue ou “Aquela da Saia de Jade” era a deusa do mar, rios, lagos e fontes. Estava relacionada ao dia Serpente e à trezena 1 Junco. Ela é a terceira dos Senhores do Dia e a sexta dos nove Senhores da Noite. O Golfo do México, talvez devido à cor esverdeada de suas águas, era conhecido como Chalchiuhcueyecatl ou "Águas de Chalchiuhtliche".

Grandes colecionadores de peças artísticas e religiosas produzidas pelas civilizações anteriores, os astecas apreciavam em especial as de jade. É possível que eles procurassem intencionalmente tais artefatos nas ruínas das civilizações mesoamericanas que haviam se elevado e caído séculos atrás. Uma vez encontradas, as peças recuperadas acabavam sepultadas novamente nas fundações de edifícios importantes, como os templos piramidais. Há evidências de que membros da elite asteca usavam tais “antiguidades” para enfatizar sua conexão com as classes superiores do passado e legitimar seu poder no presente.

Aztec Jade Pendant
Pingente Asteca de Jade
Metropolitan Museum of Art (Copyright)

Os artesãos astecas também trabalhavam o jade e aperfeiçoaram uma técnica para dar à pedra um polimento brilhante final usando pedaços de cana. Eles acreditavam que a pedra possuía poderes curativos, com bons resultados especialmente contra problemas de fígado, rins e baço. Isso levou a uma série de confusões e traduções errôneas com o nome jade após o contato com os europeus na segunda década do século XVI, como explica o historiador M. Miller:

Eles [os conquistadores] chamavam-no de pedra-quadril, ou piedra de ijada [pedra de ilharga] em espanhol. Sir Walter Raleigh relatou estas miraculosas pedras curativas dos quadris na década de 1580, mas a palavra jade, uma corruptela de ijada, somente passou a ser empregada no idioma inglês posteriormente. Quando foi catalogado pelos europeus, recebeu o nome científico em latim de lapis nephriticus, derivado da palavra latina para rins, nephrus, o que por sua vez gerou a palavra nefrita, aplicada então ao jade asiático. A confusão foi mantida nos tempos modernos, com dois compostos distintos identificados, nefrita e jadeíta. (102)

Uma curiosa consequência da fascinação mesoamericana com o jade esverdeado ocorreu com a chegada dos conquistadores, que conseguiram trocar pedaços de vidro verde barato por ouro e outros produtos valiosos, já que tanto os astecas quanto os maias pensavam que estas contas tinham propriedades similares à pedra preciosa que eles tanto adoravam.

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Perguntas e respostas

Havia jade na Mesoamérica?

O jade era encontrado em vários locais na antiga Mesoamérica, particularmente na Guatemala setentrional.

No que o jade era usado na Mesoamérica?

Na Mesoamérica o jade era usado para joalheria, máscaras e figuras esculpidas. Certos itens relacionados a rituais religiosos eram feitos de jade, tais como machados cerimoniais (celts).

Por que o jade era importante para os maias?

o jade tinha muito valor para os maias porque era uma pedra preciosa rara, cuja cor simbolizava a vida, regeneração, milho e água.

Os astecas usavam o jade?

Como nas culturas mesoamericanas anteriores a eles, os astecas usavam o jade porque era uma pedra preciosa rara, associada à vida, vegetação e água. Era usada na confecção de joias e objetos rituais e também comercializada.

Sobre o tradutor

Ricardo Albuquerque
Jornalista brasileiro que vive no Rio de Janeiro. Seus principais interesses são a República Romana e os povos da Mesoamérica, entre outros temas.

Sobre o autor

Mark Cartwright
Mark é um escritor em tempo integral, pesquisador, historiador e editor. Os seus principais interesses incluem arte, arquitetura e descobrir as ideias que todas as civilizações partilham. Tem Mestrado em Filosofia Política e é o Diretor Editorial da WHE.

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Estilo APA

Cartwright, M. (2022, agosto 22). O Jade na Mesoamérica [Jade in Mesoamerica]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Recuperado de https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2059/o-jade-na-mesoamerica/

Estilo Chicago

Cartwright, Mark. "O Jade na Mesoamérica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. Última modificação agosto 22, 2022. https://www.worldhistory.org/trans/pt/2-2059/o-jade-na-mesoamerica/.

Estilo MLA

Cartwright, Mark. "O Jade na Mesoamérica." Traduzido por Ricardo Albuquerque. World History Encyclopedia. World History Encyclopedia, 22 ago 2022. Web. 06 dez 2024.